Crónica nº 6
O PORCO FILHO DA PUTA
“Si els fills de puta
volessin no veuríem mai el sol”
(Pi de la Serra)

O porco filho da puta existe e
encontra-se em todos os sítios e em todos os ambientes. Aliás, todos
conhecemos um ou mais filhos da puta !
Do pouco que se sabe acerca dele, de
como a sua roupa e a sua figura não bastam para o definir, restam alguns
traços que o caracterizam - os seus gostos e lugares preferidos, as suas
grandes especializações, o seu sistema de entreajuda, perguntas que faz,
a sua sempre escondida vida particular, a sua casa lar como lugar
excelso, os seus modos de recreio e diversão, os seus tiques e aspectos
anedóticos, os seus temores e receios, enfim, de como é, acima de tudo,
um filho da puta. A grande dúvida que ainda existe em relação ao porco
filho da puta é se ele já nasce filho da puta ou se a vida é que o
faz...
Pois, o filho da puta também pesca. Encontramo-lo por aí, sózinho ou
em grupos de que apenas faz parte por pouco tempo, com a cana na mão.
Digo que apenas faz parte por pouco tempo porque é breve o espaço
temporal que o grupo leva a descobrir que por lá paira um filho da puta
e, tal como a uma purulenta borbulha, procede à sua excisão, normalmente
de forma gradual e pouco notada, até que o próprio filho da puta já não
tenha coragem de voltar, pois sabe que já o toparam...
O filho da puta nunca se define à primeira vista - esta é, aliás,
uma das suas principais características. À primeira vista, o filho da
puta faz tudo para mostrar a disponibilidade que acha própria, e ocultar
a própria indisponibilidade. À primeira vista, o filho da puta diz quase
sempre que está bem, que "se vai ver", o filho da puta é quase sempre
assim, sim senhor. É só depois, às vezes muito depois, que o filho da
puta, por vocação superior e para constar, diz que "não, não senhor", e
mostra que não está na disposição: nem de viver nem de deixar viver. Por
isso, ele, o filho da puta, ocupa-se e preocupa-se sobretudo com os
outros, e uma das coisas que mais o ocupa e preocupa é a despreocupação
dos outros, e essa é a segunda das suas principais características. Até
se pode dizer que nada preocupa tanto o filho da puta como a
despreocupação dos outros, que nada o incomoda tanto, nada o perturba de
tal modo como a despreocupação dos outros. Ele, o filho da puta, tem por
máxima preocupação construir toda a espécie de mais valias, e assim
ocupa a vida com essa preocupação, isto é, ocupa a vida ocupando-se com
o modo de conseguir sempre o que mais valia, sacrificando-se para
conseguir sempre o que mais vale.
O porco filho
da puta não gosta de viver, mas gosta de reviver, gosta mais de
reviver que de viver, e assim ocupa grande parte do seu tempo. Deste
modo se entende que seja sempre imensa a saudade que ele, o porco
filho da puta, tem do passado, imenso o seu desejo de ambição de
regressar (se possível) ao estado embrional, esse estado em que ia
para todos os lugares sem chegar a sair do mesmo lugar.
Na pesca, o filho da puta quer sempre pescar mais que os outros,
seja lá como for. Se alguém apanha algum peixe, o filho da puta logo
a ele se encosta para pescar no mesmo lugar e vai apertando, sem
quaisquer contemplações, até que o outro se afaste. Se estiver longe
irá lançar exactamente para a frente do outro, de modo a
incomodá-lo... Quando não apanha nada é porque é um tipo com azar,
porque os outros ficaram nos melhores locais e tinham melhor isco -
para o porco filho da puta cada pescaria é um concurso - e se fica
mal "classificado" não consegue esconder o mau humor e a filha da
putice que o envenena. é nesta altura que deixa de se controlar e
não consegue evitar o focinho coberto de ódio contra tudo e todos.
Para o porco filho da puta a captura de espécies que não irá
aproveitar para a mesa é a forma de vingança contra o mundo e contra
os outros - e os pontapés, pisadelas e outras formas de crueldade
contra o desgraçado do peixe surgem, incontroláveis, proporcionando
um sorriso escondido e um acalmar imediato, mas por pouco tempo, dos
recalcamentos e do ódio latente nas suas entranhas...
Lançar lixo à água ou deixá-lo nos pesqueiros é um dos gozos
supremos do porco filho da puta na pesca - saber que quem vier a
seguir vai encontrar toda a merda que lá deixou, e que contribuíu
com mais algum lixo para a poluição das águas fá-lo sentir-se
importante - e o prazer de saber que incomodará os outros leva-o a
um êxtase indescritível, já que ele vive basicamente para lixar a
vida aos outros.
O porco filho da puta utiliza material de pesca barato - porquê que
iria dar uma pipa de massa por uma boa cana ou carreto? Porquê
gastar dinheiro nestas merdas, encher o cú a esses chulos das casas
de pesca? Nem pensar!!! Ele é um gajo com azar e o dinheiro faz-lhe
muita falta...
A técnica do porco filho da puta muda de época para época e de lugar
para lugar. A felicidade e o gosto pela vida que os outros
manifestam é incompreensível para si - porque é que os outros não
têm tanto azar como ele? Que mal é que ele, grande porco filho da
puta, fez, para ter tanto azar????
Há filhos da puta vocacionados para fazer e filhos da puta
vocacionados para não deixar fazer, e estes são os dois tipos
universais e eternos do filho da puta. Há, naturalmente, subtipos e
especializações funcionais com funções especiais: modos de fazer, ou
de fingir não fazer e deixar fazer; no entanto, quer os dois tipos,
quer os vários subtipos de filhos da puta, todos eles são
primariamente e acima de tudo filhos da puta e disso estão todos bem
conscientes. É por isso que nem sempre podemos e devemos delimitar
rigidamente estes tipos, dado que eles são flexíveis e se
entrecruzam e interpenetram.
Apesar de tudo, sim, apesar de tudo o porco filho da puta está
relativamente contente consigo. Está preocupado com a vida dos
outros e descontente com a vida em geral, mas relativamente contente
consigo. O filho da puta acha sempre que tirou o melhor partido do
mau partido que foi ter nascido, e do péssimo partido que é viver. O
filho da puta consola-se muito com o infortúnio dos outros, com a
crise dos outros, com a doença dos outros. Os outros também estão em
crise, os outros não passam melhor, os outros não fizeram melhor, os
outros também perderam, "lixaram-se", "quilharam-se", diz o porco
filho da puta exultante. Nada atrai mais o porco filho da puta, nada
o consola tanto como o relato da doença ou da crise que assola os
outros.
Enfim, o porco filho da puta só se sente feliz com a infelicidade
dos outros. Mas morre de muitas maneiras - geralmente da doença que
o envenenou toda a vida e que, como ponto máximo da sua carreira,
lhe proporciona um final com muito brio, mas atroz sofrimento. O
porco filho da puta morre sózinho!
Um
abraço para todos, mesmo para os filhos da puta.

por uma pesca
responsável